Nesta entrevista, a física e diretora-presidente da Sapra, Yvone Maria Mascarenhas, explica, em linhas gerais, o que irá mudar com a adoção de nova grandeza para serviços de dosimetria pessoal no Brasil. Tema será aprofundado em palestra no Encontro Técnico de Proteção Radiológica nas Áreas Médica e Industrial, em São Paulo.

Blog da Sapra: Quais são os parâmetros ou unidades de grandeza adotados no Brasil para se conhecer a dose de radiação por meio de serviços de dosimetria pessoal?

Yvone Maria Mascarenhas: No Brasil, atualmente, a grandeza utilizada para a dosimetria individual externa é a que chamamos de Hx — equivalente de dose em Sievert (mSv). Essa foi uma grandeza intermediária utilizada principalmente na Alemanha, quando a Comissão Internacional de Proteção Radiológica (ICRP) e a Comissão Internacional de Unidades Radiológicas (ICRU)  definiam a transição entre as antigas grandezas e a novas unidades do Sistema Internacional (SI).

Em que esses parâmetros brasileiros se diferem dos adotados em outros países?

A adoção das unidades do sistema internacional é capitaneada pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e muitas Comissões Nacionais de Proteção Radiológica de diversos países. No SI, a grandeza a ser utilizada em dosimetria individual é a chamada dose equivalente, ou Hp. Essa grandeza já foi adotada pela maioria dos países.

Qual é, tecnicamente, a diferença entre as grandezas Hx e Hp(10)?

Para que seja possível atribuir uma dose em correspondência a um sinal resposta de um dosímetro pessoal, seja ele com a tecnologia de luminescência oticamente estimulada (OSL, na sigla em inglês), termoluminescência (TL) ou por filme, é necessário que se faça uma relação entre uma dose conhecida e o valor do sinal resposta desse dosímetro. Para fazer a análise dessa relação, os dosímetros são irradiados com uma dose conhecida nos Laboratórios de Calibração. Depois os dosímetros são analisados nos serviços de dosimetria pessoal e uma função de correlação entre o sinal resposta e a dose de exposição é estabelecida. Como irradiar os dosímetros e associar a ele uma dose conhecida é o que difere os processos para calibração em Hx e calibração em Hp. A calibração de um dosímetro em Hx é feita com o dosímetro livre no ar, sem levar em conta as diferentes qualidades energéticas do feixe de radiação. Já os dosímetros calibrados em Hp(10) são irradiados sobre um fantoma, que simula um tronco humano, com fatores de atenuação calculados a uma profundidade de 10mm. Esse fator de atenuação é altamente dependente da qualidade do feixe de radiação.

Por que se diz que o uso do  parâmetro de grandeza Hp(10) gera resultados mais realistas?

O conceito da grandeza de dose equivalente foi estabelecido visando o aprimoramento da grandeza dosimétrica. Quando o trabalhador ocupacionalmente exposto à radiação está utilizando seu dosímetro pessoal, ele próprio é um centro espalhador e a intensidade do espalhamento é altamente dependente da energia do feixe de radiação. A grandeza Hx não leva em conta a radiação espalhada pelo próprio trabalhador e a grandeza Hp considera, entre outras coisas, esse espalhamento.

Como tem sido conduzido o processo de mudança desses parâmetros em curso no Brasil? Qual o papel dos laboratórios de dosimetria, dos laboratórios de calibração e da autoridade reguladora nacional nesse processo?

Todo esse processo de mudança tem sido capitaneado pelo Comitê de Avaliação Serviços de Ensaio e Calibração (CASEC), ligado ao Instituto de Radioproteção e Dosimetria (IRD) da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN). O CASEC é responsável pela certificação dos serviços de dosimetria individual externa e pelos serviços de calibração de radiação ionizante. Não existe serviço de excelência de dosimetria pessoal sem um serviço de excelência dos laboratórios de calibração. Sendo assim, o processo de mudança de grandeza envolve a entidade regulatória que define a grandeza, a existência de laboratório de calibração com capacidade de irradiação nessas grandezas e o esforço dos laboratórios de dosimetria de elaborarem algoritmos adequados à nova grandeza. São muitos os envolvidos e somente um processo colaborativo leva ao sucesso do projeto.

Como a Sapra tem acompanhado essas mudanças, na condição de laboratório certificado para serviços de dosimetria?

A mudança para a dosimetria OSL foi fundamental nesse processo. Apesar do sistema InLight já estar adequado ao cálculo de dose nas grandezas do Sistema Internacional, a Sapra elaborou seu próprio algoritmo a partir de um grande quantidade de dosímetros irradiados em Hp(10), em laboratórios nacionais, para os mais diversos campos de radiação. O processo foi longo, mas muito recompensador. Estamos prontos para as novas unidades.

Qual informação ou recomendação pode ser oferecida, sobre o assunto, para profissionais responsáveis e outros que mantêm atuação ocupacional em ambientes expostos à radiação?

Essa mudança tem três aspectos muitos positivos. Primeiro, a nova grandeza, ou seja, a dose equivalente a uma profundidade, é muito mais adequada para análise de proteção radiológica. Segundo, os laboratórios de calibração se modernizaram e passaram por processo de acreditação, o que garante um serviço de excelência, e o mesmo está acontecendo com os serviços de dosimetria individual externa. Terceiro, o Brasil, com isso, se integra à comunidade internacional que há mais de 20 anos adotou essa grandeza para dosimetria pessoal. Poderemos fazer, agora, comparações seguras entre as doses a que estão submetidos os trabalhadores e pacientes brasileiros com relação a padrões internacionais.